segunda-feira, 27 de junho de 2011

Analisando Kubrick: "Eyes Wide Shut"


      O Design do pôster do filme nos faz permanecer de olhos bem fechados, ou de olhos bem abertos? Desse fato, podemos iniciar uma análise desta última obra do diretor Stanley Kubrick. Sua forma gráfica, não diz muita coisa. Ela é simples e direta; diagramação centralizada e textos em um tamanho grande (forma de destaque) e apenas uma única imagem colocada no centro horizontal da área do cartaz, um casal, símbolo de união, respeito, sinceridade, amor. Depois de ver esse filme, fiquei com certa dúvida: Será isso mesmo? As cores também são poucas, mas bem marcadas. Mesmo tendo poucos elementos e sendo extremamente simples, ele atrai e prende o observador (fiquei atraído desde a primeira vez que o vi - risos).
    Interessante, o filme se inicia com os preparativos de um casal (aparentemente em completa sintonia, mas que você nota que existe algo errado com os dois) para uma festa, onde se apresenta os personagens e suas personalidades, diferentes em cada um. O interessante é que os personagens da trama são pouquíssimos, e as pessoas que participam do filme a maioria não são revelados (devido à grande maioria serem cobertos por máscaras em quase todo período do filme).
    Durante festa, a aparente estrutura familiar sólida do casal começa a se desmoronar. Antes de tudo, eles deixam a filha em casa, e durante o filme, parecem não dar muita importância a mesma, tornando-se não muito lembrada durante o filme, lembra um pouco nossa sociedade de hoje, preocupada em prazeres, dinheiro e elite, esquecendo-se do verdadeiro tesouro: os filhos. Mas vamos lá, Bill se entrosa com duas modelos, enquanto Alice se envolve com um sedutor homem, que fora convidado, que a corteja durante a festa. Bill, porém, é interrompido de sua “quase traição” (ainda tenho dúvidas sobre isso) pelo anfitrião da festa, seu paciente, para atendê-lo. Descobre que a emergência é, na verdade, uma prostituta desacordada devido a uma overdose de drogas. Neste momento as máscaras da sociedade começam a surgir. Homens casados traem suas mulheres nas festas de fim de ano, em seus próprios banheiros luxuosíssimos, revelando um universo embasado na traição, da vingança e da vulgaridade. Em casa, excitados com tudo o que aconteceu eles fazem sexo (e na frente do espelho, você já fez o teste? Gostou? Se sentiu confortável olhando constantemente pra sua mulher? Se você conseguiu, parabéns, ou você é cínico, ou realmente é fiel) realizando seus desejos não concretizados.
   A manhã seguinte começa com flashes do dia-a-dia do casal, Bill trabalhando em seu consultório e Alice cuidando de sua filha, confirmando seu papel de mulher bibelô (poucas vezes que mostra a filha do casal recebendo cuidados). Os flashes do marido e da esposa se alternam de maneira interessante: enquanto Bill cuida de um menino, Alice passa desodorante das axilas e verifica que elas não cheiram mal; enquanto Bill faz exame do toque nos seios de uma mulher, Alice toma café-da-manhã com a filha. Mais tarde, antes de dormirem, o casal fuma maconha e começam a discutir a noite anterior. Ambos questionam o comportamento um do outro, tentando confirmar qualquer tipo de suspeita.
  Bill se revela, aos poucos, bastante conservador. Defende idéias retrógradas em relação ao matrimônio, à sexualidade feminina e ao papel social da mulher. Afirma que nunca sentiu ciúmes de Alice e que a mesma não seria capaz de traí-lo, já que é mãe de sua filha e sua esposa há vários anos. Esse discurso serve como base para a construção da personalidade de Bill, e é um ponto crucial para explicar as ações tomadas pelo mesmo no desenrolar da história. Bill assumiu essa postura e construiu uma família, embasada em uma sólida e duradoura relação conjugal, sustentada financeiramente pelo seu tão árduo trabalho. No entanto, quando sua mulher revela que desejou sexualmente outro homem,  Bill se sente devastado. Realizando uma análise psicológica, a reação de Bill poderia ser explicada de várias maneiras. Essa grande mágoa e sensação de perda vivenciada por ele poderia remeter a uma ruptura para com a chamada "mulher ideal". Bill aplicou os conceitos dessa mulher idealizada em sua própria esposa, esperando que ela respondesse como tal. Quando confrontado com a natureza libertina e lasciva de Alice Bill falha em encaixá-la em seu ideal romântico, razão de seu desejo sexual tê-lo abalado tanto. Esse ideal feminino também poderia remeter, em uma instância um pouco mais profunda, à imagem da figura materna na vida de Bill. O interessante é que Bill, em se total conservadorismo, tem oportunidades de sobra pra viver loucas aventuras, mas durante grande parte do filme mostra seu lado conservador, e quando deseja “cair em tentação”, sempre surge algo inesperado, foi no caso da prostituta (que mais tarde apareceria morta), que pela primeira vez, havia sido atendida por ele no banheiro, que o volta a encontrar novamente (dessa vez em plena caminhada na rua), mas fica com aquele peso de consciência, mais tarde ele descobre que ela tinha AIDS, e novamente ela (sempre ela, lembrando a figura e um anjo da guarda) o salvando naquela verdadeira orgia sexual daquela sociedade secreta.
    A revelação do desejo de sua mulher Alice por outro, acarretaria uma perda ainda maior para ele, já que implicaria no desenvolvimento de uma visão negativa em relação às mulheres em geral, não ficando restrito apenas à Alice.
    Ela não se encaixa na figura feminina idealizada pelo marido, e tem plena consciência disso; no entanto, se sujeita a tal papel. Interpreta fielmente a mãe e dona-de-casa feliz tanto dentro de seu próprio lar quanto para o resto da sociedade. Possui desejos e anseios sexuais, os quais mantém reprimidos por mero conservadorismo cultural. Não seria socialmente aceitável  que uma mulher casada e da alta classe tornasse pública sua vontade de ter contatos íntimos com outros homens . É justamente por isso que até esse momento ela manteve seus pensamentos eróticos ocultos de todos, em especial de seu marido, pessoa com a qual teria que desenvolver a relação mais honesta e sólida de todas.
    Alice poderia ser considerada, por Bill, como mero objeto contemplativo. Teria o valor de uma bela visão, uma linda mulher (realmente nesse filme ela está impecável) que o médico gosta de ter ao seu lado quando um de seus pacientes os convida para uma pomposa comemoração natalina, tempo de união, aumento de laços fraternos, época de esquecimento, nova oportunidade para perdões e todas essas coisas. Sua mulher serviria como uma boa maneira de se apresentar à alta sociedade; ajudaria a manter uma falsa identidade criada por ele a fim de ser aceito no restrito círculo das pessoas ricas e influentes, que constituem seus pacientes. Alice ajudaria a sustentar a identidade criada por Bill para melhor sobreviver às relações sociais, uma espécie de máscara.
   Quando confrontada com as idéias de Bill em relação à fidelidade e ao papel social feminino, Alice se sente irritada por ele pensar de maneira tão divergente da dela. Decide então relatar seu desejo de natureza sexual para com um jovem oficial da marinha, desconcertando-o. Alice assume, para Bill, um posto de objeto de valor com função puramente contemplativa, além de ser economicamente sustentada pelo mesmo.
    Não é difícil analisar De Olhos Bem Fechados, último filme de um gênio, sem se lembrar a toda hora de seu diretor. Stanley Kubrick. O fato de não separar o autor da obra, é frequente, ainda mais quando o diretor morre logo em seguida. De Olhos Bem Fechados é interessante, sem dúvida alguma, mas inconsistente. Kubrick morreu quatro dias depois de exibir aos produtores da Warner a primeira cópia do filme. Perfeccionista compulsivo, a ponto de estender as filmagens durante dois anos, além exigir dedicação total de Cruise e Kidman ao projeto e repetir exaustivamente algumas cenas, é bem provável que o diretor burilasse a obra antes de esta chegar ao público. É um filme estranho, não sujeito a classificações, mas adulto, inquietante, e bastante satisfatório.

Eyes Wide Shut, Inglaterra/EUA, 1999, 159 min. Colorido. Distribuido pela Warner Bros.
Com Tom Cruise, Nicole Kidman, Madison Eginton, Jackie Sawiris, Sydney Pollack, Leslie Lowe, Peter Benson, Todd Field. Escrito, Produzido e Dirigido por Stanley Kubrick.

Nenhum comentário:

Postar um comentário